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Radio Ambulante - Laurinha quiere jugar

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30

Laura Pigatin tiene un talento excepcional, pero en su país todavía existen prejuicios que le bloquean el camino.

En Brasil, hace solo 40 años estaba prohibido que las mujeres jugaran fútbol. E incluso ahora muchos creen que las canchas son territorio exclusivo de hombres. Pero esas viejas ideas no detendrán a una niña que tiene un sueño.

Traducción
por
Sabrina
Duque
[Daniel
Bem-vindos
à
Radio
Ambulante
da
NPR.
Eu
sou
Daniel
Alarcón.
A
história
de
hoje
começa
em
junho
do
ano
passado,
durante
a
Copa
do
Mundo
de
Futebol
Feminino
de
2019.
Foi
uma
Copa
do
Mundo
que
marcou
um
antes
e
um
depois
no
futebol
feminino,
principalmente
no
Brasil.
Houve
mais
publicidade
do
que
nunca
e
também
aconteceu
algo
que
não
é
muito
frequente
naquele
país:
pessoas
reunidas
em
bares
para
assistir
a
jogos
com
seus
amigos.
É
comum
na
copa
do
mundo
masculina,
obviamente.
Mas
esse
nível
de
entusiasmo
pela
copa
das
mulheres,
isso
não
havia
acontecido
antes,
pelo
menos
não
de
maneira
tão
massiva.
Até
os
vendedores
ambulantes
começaram
a
vender
a
camisa
de
Marta
Vieira
da
Silva,
a
capitã
da
seleção.
Foi
a
primeira
vez
que
sua
camisa
estava
à
venda
lado
a
lado
com
as
das
estrelas
de
futebol
masculino,
camisas
como
as
de
Neymar
e
Dani
Alves
ou
Pelé,
por
exemplo.
Uma
das
repórteres
da
matéria
—a
jornalista
brasileira
Cláudia
Jardim—
se
aproximou
de
um
vendedor
ambulante
de
São
Paulo.
Ela
queria
avaliar
o
entusiasmo
pela
Copa
do
Mundo.
Pareceu-lhe
que
uma
boa
maneira
seria
pelas
vendas
dos
Panini,
os
clássicos
álbuns
de
figurinhas
de
jogadores
profissionais.
Mas,
desta
vez,
ela
queria
saber
como
tinham
vendido
os
cromos
jogadoras
da
seleção
nacional.
Oi,
tudo
bem?
Tem
álbum
de
figurinha
da
seleção
feminina?
A
resposta
a
deixou
surpresa.
Chegou,
chegou,
vendeu
bem,
ai
esses
dia
a
Panini
recolheu
tudo.
Mas
como
é
que
foi,
assim?
Quantas
figurinhas
você
vendia
por
dia?
Uma
média
de
cem
figurinhas
por
dia.
O
vendedor
disse
que
as
vendas
eram
boas,
cerca
de
100
pacotes
de
adesivos
por
dia.
Foi
uma
média
boa
para
ser
futebol
feminino.
Mas
ele
não
pôde
deixar
de
acrescentar
que
é
uma
boa
média,
se
você
considerar
que
é
a
equipe
feminina.
E
então
Cláudia
perguntou
que
Panini
estava
vendendo
mais,
o
time
masculino,
que
jogava
na
Copa
América,
ou
o
da
Seleção
Nacional
Feminina.
Ambos
torneios
aconteciam
ao
mesmo
tempo.
Então…
as
duas
tava
(sic)
meio
empatada,
mas
tinha
as
vezes
que
a
feminina
ganhava.
Vendia
mais
no
dia
do
que
a
Copa
América.
O
vendedor
diz
a
ela
que
houve
dias
em
que
ele
vendeu
mais
Paninis
da
Seleção
Nacional
Feminina
do
que
da
masculina.
Ah,
me
surpreendi
né?
Por
ser
futebol
feminino
a
gente
acha
que
é
uma
coisa
assim
que
ninguém
liga,
mas…
O
próprio
vendedor
ficou
surpreso
quando
fez
os
cálculos.
O
álbum
das
jogadoras
foi
um
êxito
de
vendas,
apesar
do
fato
de
a
seleção
brasileira
não
ter
chegado
tão
longe.
Perdeu
nas
oitavas
de
final
contra
a
França,
país
anfitrião
da
Copa
do
Mundo.
O
Brasil
nunca
venceu
uma
Copa
do
Mundo
feminina.
E
a
grande
ilusão
de
Marta,
a
capitã
e
figura
principal
do
time,
era
que
esta
vez
finalmente
o
conseguiriam.
Após
a
partida
com
a
França,
as
brasileiras
eliminadas,
jornalistas
e
câmeras
de
televisão
se
aproximaram
dela.
Ela
parecia
muito
afetada.
É,
lógico
que
emociona,
o
momento
é
muito
emocionante.
Eu
queria
estar
sorrindo
aqui
ou
até
chorando
de
alegria.
Marta
não
conseguiu
conter
as
lágrimas.
Ela
disse
que
teria
preferido
estar
sorrindo
ou
chorando
de
alegria.
E
a
entrevista
se
tornou
num
desabafo.
E
o
futebol
feminino
depende
de
vocês
para
sobreviver.
Então
pense
nisso,
valorize
mais.
Chore
no
começo
para
sorrir
no
fim.
Marta
pediu
às
novas
gerações
de
jogadoras
brasileiras
que
lutassem
mais,
que
ela
estava
chegando
ao
fim
da
sua
carreira
e
que
o
futuro
do
futebol
feminino
depende
delas.
Esse
clipe
viralizou
e
foi
bastante
comentado
nas
redes
sociais,
porque
fala
de
algo
muito
importante:
os
problemas
enfrentados
pelas
mulheres
que
querem
jogar
futebol.
Existem
milhares
de
meninas
no
Brasil
que
querem
ser
a
próxima
Marta
e
muitas
enfrentam
os
mesmos
obstáculos
que
ela
encontrou
quando
começou
a
jogar
profissionalmente
20
anos.
No
episódio
de
hoje,
vamos
seguir
uma
dessas
jogadoras.
Irene
Caselli
e
Cláudia
Jardim
são
as
repórteres
que
nos
trazem
história.
Desde
o
estado
de
São
Paulo,
esta
é
Cláudia.
À
primeira
vista,
o
quarto
de
Laura
Pigatin
se
parece
com
o
de
muitas
meninas
de
16
anos
no
Brasil.
Em
sua
cama,
um
ursinho
de
pelúcia
com
um
coração
vermelho
no
peito.
Nas
paredes
cor-de-rosa
está
um
cartaz
de
Cristiano
Ronaldo.
Em
um
canto
está
a
escrivaninha,
muito
organizada
e
em
cima
da
escrivaninha…
Aqui
tenho
as
minhas
medalhas,
em
uma
prateleira
muito
cuidada
têm
várias
que
são
especiais
para
mim,
mas
têm
algumas
que
são
muito
especiais…
Essa
é
a
Laura
e
ela
está
nos
mostrando
as
dezenas
de
medalhas
e
troféus
que
ganhou
em
torneios
locais
de
futebol.
Ela
diz
que
são
muito
especiais
para
ela.
Laura
mora
com
a
família
em
São
Carlos,
uma
cidade
de
mais
de
250.000
habitantes,
a
três
horas
de
São
Paulo.
São
Carlos
fica
a
meio
caminho
entre
o
campo
e
a
cidade
e
gira
em
torno
da
Universidade
Federal
que
fica
lá.
muitos
estudantes,
eles
vêm
de
todo
o
Brasil
e
de
outras
partes
do
mundo.
A
vida
social
é
limitada
aos
shopping-centers
e,
apesar
de
ser
uma
cidade
cheia
de
jovens,
existe
a
sensação
de
que
nada
acontece
lá.
Moramos
numa
cidade
pacata.
Essa
é
Andrea,
a
mãe
de
Laura.
Na
qual
não
tem,
não
tem
muita
diversão,
não
tem
muita
coisa
para
se
fazer,
nos
finais
de
semana
a
gente
se
encontra
com
os
amigos.
Nos
reunimos,
ora…
Descreve
São
Carlos
como
uma
cidade
tranquila,
onde
não
muitas
opções
de
entretenimento
além
de
se
juntar
com
os
amigos
E
atrás
do
futebol
da
Laura,
né?
que
é
uma
grande…
Exceto
pelo
futebol.
O
futebol
que
Laura
joga
é
uma
grande
diversão
para
toda
a
família,
diz
Andrea.
Além
disso,
o
futebol
é
a
desculpa
para
reunir
famílias,
amigos.
Todos
se
reúnem
nas
casas
de
conhecidos
para
assistir
algum
jogo
na
telinha
ou
vão
em
grupo
para
assistir
as
equipes
locais
jogarem.
Para
os
Pigatin,
essa
é
a
grande
rotina
familiar.
Lauro,
o
pai,
sempre
gostou
de
futebol
e
Laura
cresceu
assistindo
jogos
na
telinha
com
ele
e
com
o
seu
irmão
mais
velho.
Quando
criancinha,
Laura
passou
algumas
horas
na
casa
de
seus
avôs
maternos
e
ali
também
foi
cercada
pelo
futebol.
Seu
avô
a
presentava
com
camisetas,
bonés
e
tudo
o
que
tinha
o
símbolo
do
São
Paulo,
seu
time
favorito.
Então
Laura
disse
que
ela
era
da
torcida
do
time
do
seu
avô
até
que…
Daí,
estava
jogando
acho
que
Santos
e
o
São
Paulo
e
o
Santos
goleou
o
São
Paulo.
Era
época
do
Neymar,
do
Robinho,
do
Ganso…
Laura
se
lembra
do
dia
em
que
Santos,
a
equipe
do
seu
pai
e
de
seu
irmão
meteu
uma
goleada
ao
São
Paulo,
a
equipe
do
seu
avô
e
sua
equipe
até
esse
momento.
Contra-ataque
do
Santos.
Robinho!
De
letra!
Havia
estrelas
como
Neymar
e
Robinho
no
gramado.
E
não
foi
fácil
aceitar
sua
primeira
decepção
no
futebol.
Eu
estava
assistindo
o
jogo,
sentada
no
sofá,
e
o
Santos
começou,
ganhou
o
jogo
e
eu
fiquei
brava,
né,
triste,
e
acho
que
até
chorei
me
lembro…
Laura
lembra
que
estava
assistindo
o
jogo
no
sofá
e
que
ficou
com
muita
raiva
porque
o
Santos
derrotou
seu
time.
Ela
chorou,
desapontada,
e
jogou
fora
as
roupas
do
São
Paulo
que
o
avô
lhe
dera.
O
Santos
se
tornou
sua
nova
paixão.
Daí
meu
pai
comprou
roupa
do
Santos
pra
mim
e
eu
virei
santista,
sou
santista
até
hoje.
Seu
pai
correu
para
comprar
uma
camisa
do
seu
novo
time
favorito,
algo
indispensável
para
se
tornar
um
verdadeiro
torcedor
de
um
clube.
Desde
então,
Laura
é
torcedora
do
Santos,
o
time
do
Pelé.
A
verdadeira
iniciação
ao
futebol
surgiu
quando
Laura
tinha
cinco
anos.
Um
dia,
seu
pai
a
foi
buscar
na
pré-escola
e
a
professora
disse
que
Laura
era
a
única
garota
em
sua
sala
de
aula
que
havia
escolhido
aulas
de
futebol
em
vez
de
balé.
Era
futebol
para
os
meninos
e
ballet
para
as
meninas,
que
eu
não
queria
fazer
ballet,
eu
sempre
quis
fazer
futebol,
né,
sempre
gostei
de
futebol.
O
“normal”,
entre
aspas,
era
futebol
para
meninos
e
balé
para
meninas.
A
gente
achou
estranho
e
riu
né?
A
gente
acabou
rindo,
a
gente
achou
engraçado,
não
estranho,
a
gente
achou
engraçado.
E
vamos
ver
o
que
qué
vai
dar
isso.
Este
é
Lauro,
o
pai
dela.
Ele
diz
que
achou
a
decisão
engraçada,
mas
não
ficou
surpreso.
De
certo
modo,
Laura
sempre
fora
assim.
Ela
pediu
para
receber
brinquedos
associados,
geralmente,
com
o
que
os
meninos
gostam,
como
fantasias
do
super-homem
ou
tratores
de
brinquedo.
E
a
família
a
agradava
ela
com
os
presentes
que
ela
pedia.
Andrea
diz
que
nunca
foi
uma
daquelas
mães
que
pensam
que
as
meninas
devem
brincar
com
bonecas,
embora
também
tenha
algumas.
Às
vezes
eu
penso
na
Laura,
que
ela
não
tem
boneca,
mas
eu
lembro
que
também
nunca
tive
boneca,
né?
E
meu
negócio
era
brincar
na
rua,
jogar
bola,
qualquer
tipo
de
esporte.
Quando
ela
pensa
que
Laura
não
tem
muitas
bonecas,
Andrea
diz
que
ela
também
não
as
teve,
e
lembra
que
quando
era
pequena
ficava
brincando
na
rua,
ao
futebol
e
praticando
todo
tipo
de
esporte.
E
eles
não
se
importaram.
Na
verdade,
parecia-lhes
bom
que
ela
jogasse
futebol.
E
Andrea…
Apoiei
desde
o
começo.
Ela
a
apoiou
desde
o
começo
Eu
achei
normal
ela
ir,
era
muito
bonitinha
ela
montava
na
van,
toda
vestidinha
de
futebol
no
meio
dos
meninos.
A
decisão
de
Laura
parecia-lhe
normal
e
achava
engraçado
—bonitinho
vê-la
entrar,
com
o
uniforme
de
futebol,
na
van
que
a
levava
e
aos
colegas
de
classe
aos
treinos.
Era
2009,
quando
Laura
começou
a
ter
aulas
de
futebol
na
escola
e,
como
esse
não
era
o
jogo
favorito
das
meninas
de
sua
idade,
Laura
foi
se
acostumando
a
ter
meninos
como
companheiros
de
brincadeira.
Me
sentia
supertranquila,
sim,
me
divertia,
meus
melhores
amigos
sempre
foram
os
meninos
mesmo.
E
ela
gostava
que
seus
melhores
amigos
fossem
meninos.
Ela
sempre
foi
fascinada
por
tudo
o
que
tem
a
ver
com
futebol.
Ela
brincava
de
bola
muito
no
quintal
de
sua
casa,
depois
da
escola
Brincava
de
futebol
aqui
no
gramado
aqui
de
casa.
Então,
acho
que
eu
sempre
fui
ganhando
essa
a
paixão
pelo
futebol,
desde
pequena
mesma.
A
gente
brincava
de
bonequinhos,
sabe,
de
futebol,
jogava
videogame
de
futebol.
Ela
gostava
de
simular
jogos
de
futebol
com
bonequinhos
plásticos
ou
jogar
videogames,
de
futebol,
é
claro.
Quando
Laura
tinha
sete
anos,
em
2011,
depois
de
ter
as
primeiras
aulas
na
escola,
um
amigo
da
família
começou
a
organizar
partidas
futsal
ou
seja,
de
futebol
de
salão
que
são
disputadas
com
cinco
jogadores
por
equipe,
em
ginásios,
em
uma
quadra
menor,
com
um
estilo
de
jogo
mais
rápido.
Laura
fazia
parte
desse
time
e
ainda
era
a
única
garota.
E
por
ser
a
exceção,
chamou
a
atenção
do
público.
A
maioria
era
pais
de
outras
crianças,
mas
também
vinham
vizinhos
de
outras
cidades
do
estado
de
São
Paulo
onde
se
organizavam
jogos
amistosos.
E
todo
mundo
achava
legal,
né,
as
pessoas
da
cidade,
ah
o
time
da
menina,
e
o
time
ficou
conhecido
como
o
time
da
menina.
Tudo
mundo
ia
assistir
porque
eu
era
uma
atração
mesmo.
Laura
conta
que
o
time
ficou
conhecido
como
“time
da
menina”
e
que
de
repente
ela
se
tornou
uma
atração
nas
cidades
por
onde
passava.
Mas
Laura
queria
jogar
futebol,
o
regular,
na
grama,
na
quadra
grande.
Mas
não
foi
tão
fácil.
Eu
jogo
numa
equipe
masculina
porque
não
tem
equipe
feminina
na
minha
cidade,
para
a
minha
idade.
E
por
isso
é
que
eu
tenho
que
jogar
com
os
meninos.
Na
cidade
dela,
diz,
não
times
de
futebol
feminino
para
meninas
da
sua
idade.
Mas,
eu
sempre
quis
jogar
assim
num
time
feminino,
jogar
com
as
meninas,
porque
eu
acho
mais
legal.
Não
que
eu
não
gostava
(sic)
de
jogar
com
os
meninos,
gostava,
mas
é
legal
jogar
assim
com
alguém,
com
alguma
menina,
né.
Ela
sempre
quis
jogar
em
um
time
feminino,
com
as
meninas,
porque
achava
mais
legal.
Não
que
ela
não
gostasse
de
jogar
com
os
meninos,
ela
gostava,
mas
ela
adoraria
jogar
com
outras
garotas.
No
Brasil,
geralmente
não
torneios
para
meninas
menores
de
14
anos.
A
menos
que
morem
em
São
Paulo
ou
no
Rio
de
Janeiro,
grandes
cidades
que
oferecem
mais
opções,
as
meninas
não
têm
onde
jogar.
Então,
Laura
tinha
apenas
a
opção
de
jogar
futsal
com
outros
meninos.
Quando
ela
tinha
10
anos,
um
treinador
foi
a
uma
partida
amistosa
de
futsal
em
que
Laura
estava
jogando.
E
eu
vi
que
tinha
uma
menina
jogando
no
meio
dos
meninos.
Ele
é
Rogério
Pereira,
treinador
da
ADESM,
uma
associação
esportiva
do
sindicato
dos
metalúrgicos
de
São
Paulo.
Procurei
saber
quem
era
a
mãe
dela
e
eu
convidei
ela
para
vir…
Rogério
conta
que
viu
a
menina
jogando
entre
os
meninos
e
foi
conversar
com
Andrea,
para
convidar
Laura
para
praticar
com
seu
time.Aí
eu
tava
sentada
na
arquibancada
veio
aquele
moço
de
chapéu,
de
boné
falar
comigo,
assim,
eu
até
assustei
no
começo,
nossa,
mas
que
é
que
esse
moço
quer
comigo
né?
Andrea
lembra
que
estava
sentada
na
arquibancada
quando
Rogério,
que
usava
boné,
se
aproximou.
Que
um
estranho
se
aproximasse
dela
lhe
pareceu
esquisito.Aí
ele,
e
você
que
é
a
mãe
dela?
Você
é
a
mãe
da
garota?
Ela
joga
futebol
de
campo?
Perguntou
Rogério.Eu
falei
não,
ela
está
jogando
quadra
agora.
Naquela
época,
Laura
estava
apenas
jogando
futsal.Leva
ela
pra
treinar
comigo,
eu
treino
no
sindicato?
Rogério
propôs
levá-la
para
treinar
com
sua
equipe
Daí
minha
mãe
achou,
assim,
meio
estranho
aquele
cara
me
chamando,
tudo.
Laura
diz
que
sua
mãe
achou
esse
convite
estranho,
mas
pediu
ao
irmão
mais
velho
que
a
levasse
para
uma
sessão
de
treinamento.
Eu
fui
lá.
Fui
treinar
no
meu
primeiro
dia
de
treino
com
os
meninos…
Foi
a
primeira
vez
que
Laura
jogou
com
um
time
de
futebol
regular.
Ficou
empolgada,
mas
no
começo
não
foi
fácil.
Quando
cheguei
todo
mundo
ficou
olhando,
né,
assim,
né,
achando
meio
estranho
no
começo,
ficando
meio
duvidando,
assim.
Laura
lembra
que
no
primeiro
dia
as
outras
crianças
ficaram
a
olhado,
surpresas.
Foi
a
primeira
vez
que
uma
garota
treinou
com
a
equipe
e
eles
não
sabiam
se
ela
era
realmente
capaz
de
jogar.
Mas
dentro
do
campo
eles
viram
que
eu
sabia
jogar
sim
e
acharam
super-legal,
né.
Sempre
me
apoiaram,
nunca
houve
nenhum
tipo
de
preconceito
por
parte
deles
não.
Mas
assim
que
a
viram
em
ação,
as
coisas
mudaram.
Seus
colegas
rapidamente
a
aceitaram
sem
preconceitos
porque
perceberam
que
ela
sim
sabia
jogar.
A
família
de
Laura
viu
a
oportunidade
de
se
juntar
à
ADESM,
o
time
de
futebol
infantil,
como
uma
bênção
que
lhe
permitiria
participar
de
competições
oficiais
organizadas
pelo
Estado.
Não
havia
competições
para
meninas,
então
eles
não
se
importavam
que
o
time
fosse
de
meninos.
Então
foi
tudo
de
bom
para
a
gente
a
ADESM.
“A
ADESM
foi
a
melhor
coisa
que
poderia
ter
acontecido
para
nós”,
diz
Lauro,
o
pai.
Para
Rogério,
incluir
Laura
em
sua
equipe
significou
muito
Até
pelos
meninos
entenderem
a
importância
de
ter
uma…
a
menina
no
projeto,
ter
a
menina
jogando
futebol
com
eles
e
até
para
quebrar
alguns
paradigmas,
né.
[
Porque
ter
uma
garota
no
time,
ele
diz,
fez
os
outros
garotos
entenderem
como
era
jogar
com
uma
menina,
para
quebrar
alguns
esquemas.
Mas,
para
Laura
se
juntar
à
equipe,
eles
tiveram
que
resolver
alguns
problemas
práticos.
Eles
podem
parecer
detalhes
tolos,
mas
ao
jogar
são
muito
importantes.
Por
exemplo:
mudar
de
roupa
antes
do
jogo
apresentava
novas
situações,
tanto
para
Laura
quanto
para
seus
companheiros.
Ela
entrava
no
vestiário
primeiro
e,
depois
que
Laura
terminava
de
se
trocar,
os
outros
meninos
entravam.
Em
uma
ocasião,
Laura
havia
entrado
no
vestiário
quando
Andrea
se
aproximou
da
porta.
Havia
alguns
colegas
de
equipe
vigiando.
Eles
não
a
reconheceram
como
mãe
e
gritaram…
Não
tia
não
entra,
não,
a
Laurinha
aí,
ela
tomando
banho.
Que
não
entre
porque
Laurinha
estava
tomando
banho.
que
nem
a
mãe
podia
entrar.
Nem
a
mãe
conseguia
entrar
porque
seus
colegas
se
tornaram
muito
rigorosos
com
essa
regra.
E
quando
não
havia
vestiários,
Laura
improvisava
com
a
ajuda
de
Andrea.
Eu
tive
muitas
várias
vezes
que
me
trocar
dentro
do
carro,
teve
um
dia
que
tive
que
trocar
atrás
de
uma
árvore,
minha
mãe
me
ajudou.
Várias
vezes
ela
teve
que
se
trocar
de
roupa
no
carro
e
até
uma
vez
atrás
de
uma
árvore.
É
realmente
impressionante,
porque
Laura
se
transforma
quando
sai
do
vestiário
e
entra
no
campo.
Irene
a
co-repórter
desta
história
e
eu
passamos
muito
tempo
com
ela,
com
sua
família,
e
ela
geralmente
é
uma
garota
tímida,
é
muito
evidente.
Quando
fomos
vê-la
na
escola,
Laura
estava
sentada
na
primeira
fila,
quieta,
encurvada,
de
óculos.
Mas
quando
a
acompanhamos
ao
gramado
pela
primeira
vez,
vimos
uma
transformação.
Vestida
com
o
uniforme
de
futebol
e
o
cabelo
preso
em
um
rabo
de
cavalo,
Laura
fica
mais
reta
e
firme.
Reflete
uma
confiança
que
não
é
evidente
fora
da
quadra.
É
como
sua
verdadeira
personalidade
aparecesse
e
aparece
com
força.
eu
fico
mais
à
vontade,
eu
quero
ganhar,
né,
sou
muito
competitiva,
sempre
quero
ganhar,
então
dou
meu
máximo.
Ela
diz
que
se
sente
mais
à
vontade
no
gramado,
que
é
muito
competitiva,
que
se
esforça
ao
máximo
para
vencer.
E
que
as
pessoas
começaram
a
notar
quando
seu
time
viajou
para
outras
cidades,
aqueles
que
assistiram
aos
jogos
começaram
a
se
surpreender
com
o
quão
bem
ela
jogava.
Era
impressionante
que
a
única
garota
de
um
time
de
garotos
fosse
a
melhor
jogadora
no
gramado.
Muitas
pessoas
se
aproximaram
dela
depois
dos
jogos…
Sim,
várias
pessoas
comentavam,
até
nas
outras
cidades,
e
pediam
até
para
tirar
foto
comigo,
falavam
que
queriam
autógrafos…
para
pedir
um
autógrafo
e
tirar
fotos
com
ela.
Quando
perguntei
a
Laura
se
ela
tinha
algum
ritual
antes
de
cada
jogo,
ela
me
respondeu
com
o
lema
de
sua
equipe.
Um,
dois,
três,
oooooooô,
Ferrinha!
Ferrinha!
Como
apelidam
a
Ferroviária,
o
time
em
que
ela
joga
desde
2018.
No
quarto
de
Laura
soava
assim,
mas,
no
jogo
real,
soa
mais
ou
menos
assim:
Um
dia,
Andrea
estava
na
praia
com
Laura
e
sua
filha
estava
brincando
na
areia
com
a
bola
e,
como
ela
era
tão
boa,
as
outras
pessoas
que
estavam
na
praia
começaram
a
notar.
A
mãe
estava
olhando
para
Laura
de
um
quiosque
na
praia
e
ouviu
dois
homens
conversando
ao
lado
dela.
“Olha
aquela
menina
como
joga
bola”,
porque
ela
era
uma
atração
quando
a
gente
ia
pra
praia,
o
povo
parava
e
ficava
olhando,
né.
“Olha
como
aquela
garota
joga”,
disse
um
deles.
Pouco
depois,
seu
colega
respondeu:
É,
pena
que
daqui
a
pouco
ela
vira
homem.
Que
pena
que
em
pouco
tempo
“vai
virar
homem”,
que
vai
se
converter
em
homem.
Não
é
um
comentário
incomum.
E
não
é
no
Brasil.
Comentários
semelhantes
são
ouvidos
em
toda
a
América
Latina,
e
no
mundo
é
claro.
Existe
uma
percepção
bastante
difundida
de
que
o
futebol
é
masculino
demais
para
as
mulheres.
Geralmente
com
a
insinuação
de
que
as
meninas
que
jogam
se
tornarão
inevitavelmente
lésbicas.
Nem
todo
mundo,
é
claro.
Mas
Andrea
ficou
chocada
com
esse
comentário.
De
onde
ele
tirou
isso,
ela
é
uma
criança
ainda
jogando
bola.
E
se
ela
quiser
ser
homem,
se
ela
quiser
ser
lésbica
é
a
vida
dela.
Ela
diz
que
lhe
parecia
um
absurdo,
que
ela
não
sabia
de
onde
aquele
homem
tirou
essas
ideias.
Era
uma
garota
brincando
com
a
bola.
Além
disso,
não
era
da
conta
dele,
era
a
vida
de
Laura.
Para
Laura
também
é
claro.
Eu
acho
que
não
tem
nada
a
ver,
para
mim,
na
minha
opinião
não
tem
nada
a
ver,
cada
uma
escolhe
o
que
vem
de
você
mesma.
Cada
uma
escolhe
o
que
quer
ser,
né?
Diz
que
uma
coisa
não
tem
nada
a
ver
com
a
outra.
Que
todos
devem
ser
livres
para
decidir
o
que
querem
ser.
Embora
os
pais
de
Laura
pensassem
que
comentários
assim
eram
absurdos,
os
preconceitos
contra
a
filha
começaram
a
se
tornar
uma
preocupação,
mesmo
durante
os
jogos.
Um
dia,
Laura
estava
jogando
com
os
meninos
em
um
campeonato.
Sua
equipe
estava
ganhando
o
jogo
e
Laura
estava
particularmente
inspirada.
Uma
mãe,
né,
acho
que
eu
driblei
o
filho
dela,
sei
lá,
ela
começou
a
falar
nossa,
lugar
de
menina
é
brincando
de
boneca,
o
que
você
está
fazendo
aí?
Laura
diz
que,
em
uma
jogada,
ela
driblou
uma
criança
e
ouviu
que
das
arquibancadas
uma
mãe
que
gritou:
“O
que
você
está
fazendo
aí?
O
lugar
de
uma
garota
é
brincando
com
bonecas”.
Andrea
estava
na
arquibancada,
assistindo
a
filha
jogar
e
teve
que
respirar
fundo
para
se
conter.
E
a
Laura
não
se
intimidou,
pelo
contrário,
continuou
jogando
com
ainda
mais
determinação.
Mas
a
tensão
aumentou
quando
ela
fez
uma
jogada
espetacular
para
evitar
esse
mesmo
garoto.
Laura
avançou
até
meta.
Com
essa
jogada,
o
garoto
perdeu
o
equilíbrio
e
caiu
no
chão.
A
mãe
do
menino
não
aguentou
e
começou
a
gritar
mais
alto:
um
soco
na
cara
dessa
menina.
um
soco
na
cara
dessa
menina.
Andrea
não
podia
acreditar
Onde
se
viu
uma
mulher
falar
para
um
menino
bater
numa
menina
(…)
que
se
ela
estava
louca,
a
gente
não
incentiva
a
agressão
no
esporte,
não
é
isso.
Onde
se
viu
uma
mulher
dizendo
ao
filho
para
bater
em
uma
garota.
Andrea
diz
que
aquela
mulher
era
louca.
Você
não
pode
incentivar
a
agressão
no
esporte.
Não
é
assim.
E
foi
por
isso
que
ela
decidiu
encará-la
Falei
pra
ela
que
ela
sim
tinha
que
ter
ficado
dentro
da
casa
dela
lavando
roupa,
cozinhando
porque
esporte
não
era
aquilo.
E
ela
lhe
disse
que
era
melhor
ela
ficar
em
casa
lavando
roupas
e
cozinhando,
se
ia
apoiar
o
filho
com
essa
atitude.
O
que
aconteceu
com
a
Laura
não
é
um
incidente
isolado.
O
futebol
feminino
no
Brasil
é
o
espelho
de
um
problema
muito
maior:
o
machismo.
Tradicionalmente,
os
gramados
têm
sido
espaços
reservados
aos
homens.
Tanto
é
assim
que,
no
passado,
houve
mulheres
presas
apenas
por
jogar
futebol
na
rua.
Após
o
intervalo,
a
proibição
no
Brasil
que
manteve
as
mulheres
fora
do
gramado
e
o
que
aconteceu
com
a
Laura.
voltamos.
Bem-vindos
de
volta
à
Rádio
Ambulante.
Eu
sou
Daniel
Alarcón.
Antes
do
intervalo,
a
co-repórter
desta
história,
Cláudia
Jardim,
contava
a
história
de
Laura
Pigatin,
uma
garota
que
sonha
em
ser
a
próxima
estrela
do
futebol
brasileiro,
apesar
dos
preconceitos
enfrentados
por
meninas
e
mulheres
jogadoras
de
futebol.
Preconceitos
que
têm
raízes
claras,
que
vêm,
em
parte,
das
leis
que
o
país
possuía.
Irene
Caselli,
a
co-repórter,
dessa
história,
continua
nos
contando.
Como
em
outras
partes
do
mundo,
o
futebol
feminino
foi
proibido
por
um
longo
tempo
no
Brasil:
quase
40
anos.
Um
decreto
de
1941
estabeleceu
que:
“Às
mulheres
não
se
permitirá
a
prática
de
desportos
incompatíveis
com
as
condições
de
sua
natureza”.
Isso,
é
claro,
incluía
o
futebol.
A
lista
de
proibições
incluía
levantamento
de
peso,
beisebol
e
artes
marciais.
Durante
esse
período
de
governos
autoritários
no
Brasil,
considerou-se
que
as
mulheres
deveriam
permanecer
na
esfera
privada,
ser
protegidas
e
controladas,
ou
seja,
em
casa,
onde
poderiam
ser
boas
esposas
e
mães.
Havia
até
argumentos
supostamente
médicos.
Foi
recomendado
que
as
mulheres
não
jogassem
porque
estavam
expostas
a
golpes
no
útero
ou
nas
mamas,
o
que
poderia
comprometer
tanto
a
fertilidade
como
a
lactação.
Um
artigo
de
jornal
publicado
em
um
dos
maiores
jornais
do
Brasil
em
1961
dizia
o
seguinte:
“As
mulheres
têm
ossos
mais
frágeis;
menor
massa
muscular;
bacia
oblíqua;
tronco
mais
longo
e
por
isso
menos
resistente;
centro
de
gravidade
mais
baixo,
coração
menor;
menos
número
de
glóbulos
vermelhos;
respiração
menos
apropriada
a
esportes
pesados;
menor
resistência
nervosa
e
de
adaptação
orgânica”.
Para
Andrea,
a
proibição
é
a
raiz
dos
preconceitos
e
dificuldades
que
ainda
enfrentam
as
mulheres
que
realmente
querem
jogar.
Às
vezes
eu
acho
que
os
próprios
pais
não
deixam
as
meninas
jogarem
por
terem
esse
preconceito.
Ela
acredita
que
muitos
pais
não
permitem
suas
filhas
jogar
por
causa
desse
preconceito
construído
décadas
atrás.
Essa
visão
autoritária
dos
direitos
civis
das
mulheres
prevaleceu
durante
os
21
anos
de
ditadura
militar
no
país,
entre
1964
e
1985.
Onde
havia
chance
de
jogar,
jogávamos.
Na
rua,
nos
campos
vazios.
Mas
como
era
proibido
jogar,
a
polícia
estava
sempre
para
nos
pegar.
Ela
é
Léa
Campos,
a
primeira
mulher
convidada
a
ser
árbitra
em
um
jogo
da
FIFA
em
1971.
Minha
colega
Cláudia
Jardim
ligou
para
ela
para
descobrir
como
que
as
mulheres
que
queriam
jogar
naquela
época
faziam.
Léa
disse
que
se
reunia
com
um
grupo
de
garotas,
jogavam
clandestinamente
e
durante
esses
jogos…
Eu
sabia
que
a
polícia
estava
chegando
porque
ouvia
a
sirene
do
carro
da
polícia
militar.
E
quando
ouvia
a
sirene,
mandava
as
outras
meninas
correrem
e
a
polícia
prendia
Léa.
Fui
presa
15
vezes.
E
toda
vez
que
dizia
a
mesma
coisa:
“Podem
me
prender
um
milhão
de
vezes,
e
eu
vou
continuar
fazendo
o
mesmo”.
E
foi
durante
essas
prisões
que
Léa
percebeu
um
tecnicismo
muito
importante.
A
proibição
era
clara,
as
mulheres
não
podiam
jogar
futebol.
Mas
não
falava
absolutamente
nada
sobre
arbitragem.
E
foi
isso
que
me
interessava.
Eu
queria
ser
o
mestre
da
orquestra.
Eu
não
estava
interessada
em
ser
músico
de
orquestra.
E
ela
conseguiu.
Léa
Campos
foi
apontada
como
árbitra
no
início
dos
anos
70.
Um
acidente
de
ônibus
que
a
deixou
em
uma
cadeira
de
rodas
terminou
sua
carreira
em
1974.
E
sua
luta
ficou
um
pouco
isolada.
A
proibição
finalmente
terminou
em
1979,
quando
a
lei
de
anistia
foi
assinada
pelo
governo
militar.
Vamos
colocar
essa
proibição
em
contexto.
Enquanto
o
futebol
masculino
brasileiro
conquistou
três
copas
do
mundo
em
58,
62
e
70
e
os
jogadores
brasileiros
se
tornaram
estrelas
em
todo
o
mundo,
mais
da
metade
da
população
estava
proibida
de
praticar
o
esporte
nacional.
Embora
a
proibição
tenha
sido
oficialmente
encerrada
40
anos,
os
obstáculos
continuaram.
Marta
Maravilha!
Agora,
agora,
agora,
agora,
agora,
agora,
agora,
gooool!
Marta,
um
fenômeno
mundial!
Um
fenômeno
mundial!
Hoje
em
dia
Marta
Viera
da
Silva
é
a
jogadora
de
futebol
mais
popular
do
Brasil
e
está
entre
as
mais
conhecidas
do
mundo.
Mas
muito
antes
de
se
tornar
um
fenômeno
mundial,
Marta
era
simplesmente
uma
garota
com
talento
excepcional,
como
Laura
Pigatin.
Em
1999,
quando
tinha
13
anos,
Marta
jogava
em
um
time
na
cidade
de
Dois
Riachos,
no
Nordeste
do
Brasil.
Como
Laura,
Marta
era
a
única
garota
que
jogava
em
um
time
de
meninos
porque
não
havia
time
feminino.
Além
de
talento,
ele
teve
a
força
de
ignorar
os
comentários
preconceituosos
de
que
ele
era
um
“sapatão”,
que
o
futebol
não
era
coisa
de
menina.
As
pessoas
falavam
mal,
chegavam
para
minha
mãe
e
para
meus
irmãos
e
davam
conselhos:
“ah,
não
deixe
ela
no
meio
de
um
monte
de
meninos”.
Marta
diz
que
as
pessoas
falaram
mal
dela
e
que
disseram
à
mãe
que
ela
não
podia
deixá-la
com
um
grupo
de
meninos
que
a
desrespeitariam.
Marta
nos
disse
que,
quando
jogou
em
seu
primeiro
campeonato,
foi
a
jogadora
que
marcou
mais
gols
e
era
essencial
para
seu
time.
Marta
também
lembra
que
seu
talento
incomodava
aos
adversários.
Tanto
que
o
dono
de
uma
equipe
adversária
ameaçou
se
retirar
do
torneio
local
se
Marta
continuasse
jogando.
Eu
fiquei
super-frustrada
naquele
momento
Ela
se
sentiu
muito
frustrada
e
teve
que
sair
do
campeonato.
Não
achava
uma
resposta
do
porquê
disso
tudo,
né?
Será
que
é
tão
complicado
aceitar
que
um
ser
humano
nasceu
com
talento,
e
sabe
jogar
e
quer
fazer
isso
e
é
isso
que
te
faz
feliz?
E
eu
não
conseguia
entender
por
que
era
tão
complicado
aceitar
que
um
ser
humano
que
nasceu
com
talento
não
podia
jogar
e
ser
feliz.
Mas
ela
persistiu:
seu
objetivo
era
jogar
em
um
time
importante.
Vasco
da
Gama,
um
dos
grandes
clubes
do
Rio
de
Janeiro,
estava
testando
para
descobrir
novas
jogadoras.
Era
o
ano
de
2000,
quando
Marta
disse
à
mãe
que
queria
ir
ao
Rio
de
Janeiro.
Falei
com
a
minha
mãe
e
ela
falou:
“Ela
não
vai”.
Tipo
assim,
ela
não
levou
muito
a
sério…
Marta
disse
que
sua
mãe
respondeu:
«Você
não
vai».
Não
levou
Marta
muito
a
sério.
Mas
Marta
decidiu
ir
de
qualquer
maneira.
Ela
pediu
emprestado
dinheiro
de
amigos
e
vizinhos
mais
próximos
para
comprar
a
passagem
de
ônibus.
Apenas
tinha
para
comer
ao
longo
do
caminho.
E
estamos
falando
de
uma
viagem
de
três
dias
do
Nordeste
ao
Sudeste
do
Brasil.
E
tinha
uns
pontos
estratégicos
para
parar
e
tal:
tomar
café,
fazer
um
lanche…
Marta
disse
que,
enquanto
o
ônibus
parava
para
as
pessoas
tomarem
café
ou
fazerem
um
lanche,
ela
tinha
que
cuidar
de
cada
centavo.
Ela
aguentava
a
fome,
sabendo
que
o
pouco
dinheiro
que
ela
trouxera
tinha
que
durar.
Marta
fez
o
teste
e
ficou
no
Vasco
da
Gama.
Dois
anos
depois,
ela
se
mudou
para
Belo
Horizonte
e
jogou
em
um
time
local.
Ela
estava
determinada.
Ela
queria
fazer
do
futebol
sua
vida,
mas
as
possibilidades
no
Brasil
eram
muito
precárias.
Ainda
são.
A
maior
desigualdade
no
futebol
profissional
feminino
é
a
parte
financeira.
Internacionalmente,
um
estudo
recente
do
Sporting
Intelligence
um
site
dedicado
a
notícias
esportivas
mostra
a
enorme
diferença
entre
os
salários
dos
homens
e
das
mulheres.
Segundo
o
estudo,
o
contrato
que
Neymar
assinou
em
2017
por
mais
de
30
milhões
de
euros
por
ano
é
equivalente
ao
salário
anual
de
1.693
mulheres
nas
principais
ligas
de
futebol
feminino
do
mundo.
E
essa
desigualdade
se
torna
ainda
mais
profunda
no
Brasil,
onde
os
clubes
femininos
não
têm
o
mesmo
nível
de
apoio
econômico
que
em
outras
partes
do
mundo.
Foi
exatamente
por
isso
que
Marta
tentou
a
sorte
no
exterior.
Em
2004,
ela
recebeu
uma
ligação
da
Europa.
Era
um
convite
para
jogar
no
clube
Umea
IK,
na
Suécia.
Eu
realmente
acredito
que
eu
vim
para
esse
mundo
para
jogar
futebol.
Ela
diz:
“Eu
realmente
acho
que
vim
a
este
mundo
para
jogar
futebol”.
Ela
joga
profissionalmente
entre
Brasil,
Europa
e
Estados
Unidos
19
anos.
Apesar
do
sucesso
de
Marta,
os
preconceitos
que
ela
enfrentou
ainda
estão
vivos.
Voltemos
à
história
de
Laura
Pigatin.
Em
2015,
quando
Laura
tinha
11
anos,
sua
equipe,
ADESM,
venceu
o
campeonato
municipal
e
passou
para
a
próxima
fase:
o
campeonato
regional.
Mas
nessa
fase,
os
organizadores
do
torneio
proibiram
Laura
de
participar.
Ela
falou
que
o
campeonato
era
masculino
e
que
as
meninas
não
podiam
jogar
e
que
se
eu
jogasse
ela
ia
desclassificar
o
time,
e
nesse
ano
eu
fiquei
de
fora.
Porque
o
regulamento
dizia
que
o
torneio
era
apenas
masculino
e
que
as
meninas
não
podiam
jogar.
E
se
Laura
insistisse,
sua
equipe
seria
desqualificada.
O
mais
estranho
é
que,
na
primeira
fase
do
campeonato,
ninguém
se
opôs.
Joguei
de
boa,
todos
os
técnicos
dos
outros
times
aceitaram.
Mas,
ao
chegar
à
final,
a
diretora
da
Secretaria
do
Esporte,
Lazer
e
Juventude
do
Estado
de
São
Paulo,
responsável
pelo
campeonato,
proibiu
Laura
de
jogar.
Rogério,
o
treinador,
comprou
a
briga.
Ele
tentou
argumentar
com
a
diretora…
Na
verdade
é
um
regulamento
machista
né,
que
foi
criado…
para
fazê-la
ver
que
o
regulamento
era
machista
e
que
ainda
respondia
aos
tempos
em
que
as
meninas
não
jogavam
futebol.
Mas
as
coisas
estão
evoluindo,
diz
Rogério,
e
eles,
os
encarregados,
não
evoluíram,
eles
pararam
no
tempo.
O
pai
de
Laura
também
falou
com
a
diretora
Ela
seguiu
o
regulamento,
mas
faltou
bom
senso
por
parte
dela
de
entender
que
era
uma
condição
excepcional.
Embora
a
diretora
estivesse
seguindo
as
regras,
para
Lauro,
ela
não
teve
bom
senso
e
não
entendeu
que
era
um
caso
especial.
A
diretora
poderia
ter
mudado
essa
regra
para
deixar
as
meninas
jogarem.
Mas
nem
Rogério
nem
ele
conseguiram
convencê-la.
Me
senti
realmente
um
Ninguém,
um
idiota,
me
senti
assim
o
pior
dos
homens.
Essa
rejeição,
diz
Lauro,
fez
com
que
ele
se
sentisse
um
idiota,
como
o
pior
dos
homens.
E,
no
final,
Laura
não
pôde
acompanhar
sua
equipe.
Andrea
se
lembra
da
tristeza
de
Laura
ao
ver
seu
time
desde
a
arquibancada…
Ela
ficava
na
arquibancada
assistindo
o
jogo
com
olho
cheio
de
lágrima.
com
os
olhos
cheios
de
lágrimas.
A
equipe
perdeu
o
campeonato
regional
e
Laura
ficou
pensando
no
que
teria
acontecido
se
a
deixassem
jogar.
No
ano
seguinte,
2016,
Laura
novamente
teve
uma
oportunidade.
Sua
equipe
chegou
ao
mesmo
campeonato
e
a
mesma
diretora
novamente
a
proibiu
de
jogar.
Para
o
pai
de
Laura,
a
frustração
era
grande
demais
Eu
me
senti
um
M,
me
senti
um
merda
pra
falar
a
verdade.
Se
sentiu
um
merda,
diz,
e
desabafou
no
Facebook.
A
frustração
de
Lauro
iniciou
uma
mobilização
online
para
coletar
assinaturas
pedindo
a
inclusão
de
meninas
em
torneios
masculinos.
A
petição
de
Laura
para
jogar
começou
a
ser
veiculado
nas
redes
sociais
“As
meninas
podem
jogar”
era
o
slogan.
E
para
surpresa
de
todos,
a
resposta
foi
grande.
A
campanha
começou
a
receber
atenção
em
todo
o
país.
Uma
história
que
parou
o
Brasil.
Muita
gente
não
se
conformou
ao
ver
a
desigualdade
no
mundo
da
bola.
O
caso
da
Laurinha
gerou
comoção
nacional.
Ela
continuou
jogando
com
os
meninos.
Apesar
de
sua
timidez,
Laura
apareceu
em
vários
programas
de
televisão
e,
em
todos
pediu
o
mesmo.
E
agora
que
ia
jogar
a
fase
mais
importante
do
campeonato
não
ia
poder
jogar.
Não
seria
justo,
né.
Pô,
não
seria
justo.
porque
eu
era
menina,
só.
Que
o
regulamento
seja
alterado
para
que
as
meninas
também
possam
jogar.
Mais
de
11
mil
pessoas
assinaram
a
petição
que
circulou
na
internet.
A
pressão
do
público
foi
tão
grande
que
desta
vez
a
diretora
cedeu
e
deu
a
Laura
permissão
para
jogar
na
fase
regional
do
campeonato.
Mas,
para
Lauro,
foi
uma
vitória
parcial.
Para
a
gente
a
vitória
seria
se
eles
tivessem
falado
assim,
nós
vamos
mexer
no
regulamento
e
todas
as
meninas
que
quiserem.
Uma
verdadeira
vitória
teria
sido
a
modificação
do
regulamento
para
permitir
que
todas
as
meninas
jogassem.
Mas
a
participação
de
Laura
naquele
ano
foi
uma
exceção.
O
regulamento
ainda
permanece
o
mesmo.
Oficialmente,
o
campeonato
continua
a
proibir
as
meninas
de
jogar
em
um
time
de
meninos.
Não
era
por
minha
causa
que
a
gente
estava
brigando,
era
por
todas
as
meninas,
né?
Laura
explica
que
não
foi
uma
batalha
individual.
A
luta
dela
era
que
pelo
menos
os
torneios
masculinos
admitissem
equipes
mistas.
O
decreto
que
tornou
o
futebol
um
esporte
ilegal
para
as
mulheres
foi
oficialmente
abolido
em
1979.
Vinte
anos
depois,
Marta
foi
proibida
de
jogar
enquanto
ainda
era
adolescente.
O
mesmo
aconteceu
com
Laura
apenas
três
anos
Então,
o
que
precisa
ser
feito
para
que
as
meninas
possam
jogar?
Em
uma
carta
aberta
que
ela
publicou
em
2017
no
The
Player’s
Tribune,
Marta
revisou
sua
própria
carreira
e,
de
alguma
forma,
respondeu
a
essa
pergunta.
Cláudia
e
eu
visitamos
Marta
no
camarim
do
Orlando
Pride,
sua
equipe,
em
2017.
E
quando
conversamos
com
ela,
Marta
leu
a
carta
para
nós.
Querida
Marta
de
14
anos
de
idade,
Foi
uma
carta
que
ela
endereçou
a
ela
própria,
á
Marta
de
14
anos,
ou
seja,
quando
ela
pegou
o
ônibus
que
a
levou
de
sua
pequena
cidade
para
o
Rio
de
Janeiro.
Entre
no
ônibus.
Eu
sei
o
que
você
está
pensando.
Eu
sei
o
que
você
está
sentido.
Não
pense
nisso.
Na
carta,
Marta
diz
à
garota
que
foi
que
entre
no
ônibus,
que
ela
sabe
o
que
Marta
de
14
anos
está
pensando,
o
que
está
sentindo
e
pede
que
ela
ignore
isso.
E
logo
após
começar
a
ler,
ela
se
detém.
É
difícil
ler
essa
carta
porque…
é
difícil
porque
todas
as
vezes
que
eu
li
ela,
me
emociono,
porque
parece
que
foi
muito
mais
difícil
do
que
foi
naquela
época.
E
ela
explica
que
é
difícil
ler
a
carta
de
novo,
porque
lembra
que
seu
caminho
era
muito
mais
difícil
do
que
parecia
naquela
época.
Depois
de
um
momento,
ela
continua:
No
quanto
todo
mundo
disse
que
você
não
podia
fazer
isso,
que
você
não
deveria
fazer
isso.
E
se
lembra
de
que
muitas
pessoas
disseram
a
ela
que
não
conseguiria.
Que
nem
deveria
estar
tentando.
Este
ônibus
te
levará
para
realizar
o
seu
sonho,
o
sonho
de
se
tornar
uma
jogadora
de
futebol
profissional.
É
por
isso
que
ela
pede
á
Marta
de
14
anos
para
não
desistir.
Embora
ela
a
tenha
escrito
para
si
mesma,
a
carta
de
Marta
também
é
endereçada
a
Laura
e
a
todas
as
meninas
que
querem
jogar
futebol.
É
uma
maneira
de
pedir
que
elas
não
desistam,
apesar
de
todos
os
obstáculos
que
permanecem
no
caminho.
Laura
agora
tem
16
anos
e
joga
em
um
time
de
garotas
da
idade
dela.
É
uma
equipe
do
interior
de
São
Paulo:
o
Ferroviária
de
Araraquara,
uma
das
poucas
que
leva
a
sério
o
futebol
feminino.
Para
treinar
com
elas,
Laura
precisa
viajar
duas
horas,
três
vezes
por
semana.
Apesar
de
ser
uma
das
mais
jovens
do
grupo,
Laura
passou
a
fazer
parte
do
grupo
de
jogadoras
titulares
do
Ferroviária
e
participou
do
primeiro
Campeonato
Brasileiro
Sub-18
Feminino,
torneio
lançado
apenas
em
2019
pela
Confederação
Brasileira
de
Futebol.
A
FIFA
também
implementou
novas
iniciativas
para
criar
mais
equipes
femininas
profissionais,
mesmo
no
Brasil,
para
que
meninas
como
Laura
tenham
onde
jogar
quando
adultas.
Irene
Caselli
e
Cláudia
Jardim
são
repórteres.
Irene
é
repórter
do
The
Correspondent
e
vive
entre
Itália
e
Argentina,
Cláudia
vive
em
Bangkok.
Mariangela
Maturi
também
contribuiu
para
esta
reportagem,
que
faz
parte
do
A
Girls’
Game,
Um
jogo
de
meninas,
um
projeto
jornalístico
realizado
com
o
apoio
do
European
Journalism
Centre.
A
Girls’
Game
foi
lançado
em
vários
idiomas,
inclusive
em
espanhol
e
também
em
diferentes
formatos,
com
um
documentário
de
quase
meia
hora.
Para
mais
informações,
você
pode
visitar
www.agirlsgame.net.
Agradecemos
a
ajuda
do
Orlando
Pride,
Aguinaldo
Suarez,
Fabiano
Farah,
a
família
Pigatin,
Dibradoras
e
Sandovaldo
Euclides.
Esta
história
foi
editada
por
Luis
Trelles,
Camila
Segura
e
eu.
O
mix
e
o
design
do
som
são
de
Andrés
Azpiri
e
Rémy
Lozano.
Andrea
López
Cruzado
fez
a
verificação
dos
fatos.
Muito
obrigado
a
Sabrina
Duque
por
sua
ajuda
e
pela
revisão
e
tradução
dos
áudios
em
português.
O
restante
da
equipe
da
Radio
Ambulante
inclui
Lisette
Arévalo,
Gabriela
Brenes,
Jorge
Caraballo,
Victoria
Estrada,
Miranda
Mazariegos,
Patrick
Moseley,
Laura
Rojas
Aponte,
Barbara
Sawhill,
Barbara
Sawhill,
David
Trujillo,
Elsa
Liliana
Ulloa
e
Luis
Fernando
Vargas.
Carolina
Guerrero
é
a
CEO.
Radio
Ambulante
é
um
podcast
da
Radio
Ambulante
Estudios
e
é
produzido
e
mixado
no
programa
Hindenburg
PRO.
A
Radio
Ambulante
conta
as
histórias
da
América
Latina.
Eu
sou
Daniel
Alarcón.
Obrigado
por
nos
ouvir.
Check out more Radio Ambulante

See below for the full transcript

Traducción por Sabrina Duque [Daniel Bem-vindos à Radio Ambulante da NPR. Eu sou Daniel Alarcón. A história de hoje começa em junho do ano passado, durante a Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2019. Foi uma Copa do Mundo que marcou um antes e um depois no futebol feminino, principalmente no Brasil. Houve mais publicidade do que nunca e também aconteceu algo que não é muito frequente naquele país: pessoas reunidas em bares para assistir a jogos com seus amigos. É comum na copa do mundo masculina, obviamente. Mas esse nível de entusiasmo pela copa das mulheres, isso não havia acontecido antes, pelo menos não de maneira tão massiva. Até os vendedores ambulantes começaram a vender a camisa de Marta Vieira da Silva, a capitã da seleção. Foi a primeira vez que sua camisa estava à venda lado a lado com as das estrelas de futebol masculino, camisas como as de Neymar e Dani Alves ou Pelé, por exemplo. Uma das repórteres da matéria —a jornalista brasileira Cláudia Jardim— se aproximou de um vendedor ambulante de São Paulo. Ela queria avaliar o entusiasmo pela Copa do Mundo. Pareceu-lhe que uma boa maneira seria pelas vendas dos Panini, os clássicos álbuns de figurinhas de jogadores profissionais. Mas, desta vez, ela queria saber como tinham vendido os cromos jogadoras da seleção nacional. Oi, tudo bem? Tem álbum de figurinha da seleção feminina? A resposta a deixou surpresa. Chegou, chegou, vendeu bem, ai esses dia a Panini recolheu tudo. Mas como é que foi, assim? Quantas figurinhas você vendia por dia? Uma média de cem figurinhas por dia. O vendedor disse que as vendas eram boas, cerca de 100 pacotes de adesivos por dia. Foi uma média boa para ser futebol feminino. Mas ele não pôde deixar de acrescentar que é uma boa média, se você considerar que é a equipe feminina. E então Cláudia perguntou que Panini estava vendendo mais, o time masculino, que jogava na Copa América, ou o da Seleção Nacional Feminina. Ambos torneios aconteciam ao mesmo tempo. Então… as duas tava (sic) meio empatada, mas tinha as vezes que a feminina ganhava. Vendia mais no dia do que a Copa América. O vendedor diz a ela que houve dias em que ele vendeu mais Paninis da Seleção Nacional Feminina do que da masculina. Ah, me surpreendi né? Por ser futebol feminino a gente acha que é uma coisa assim que ninguém liga, mas… O próprio vendedor ficou surpreso quando fez os cálculos. O álbum das jogadoras foi um êxito de vendas, apesar do fato de a seleção brasileira não ter chegado tão longe. Perdeu nas oitavas de final contra a França, país anfitrião da Copa do Mundo. O Brasil nunca venceu uma Copa do Mundo feminina. E a grande ilusão de Marta, a capitã e figura principal do time, era que esta vez finalmente o conseguiriam. Após a partida com a França, as brasileiras já eliminadas, jornalistas e câmeras de televisão se aproximaram dela. Ela parecia muito afetada. É, lógico que emociona, o momento é muito emocionante. Eu queria estar sorrindo aqui ou até chorando de alegria. Marta não conseguiu conter as lágrimas. Ela disse que teria preferido estar sorrindo ou chorando de alegria. E a entrevista se tornou num desabafo. E o futebol feminino depende de vocês para sobreviver. Então pense nisso, valorize mais. Chore no começo para sorrir no fim. Marta pediu às novas gerações de jogadoras brasileiras que lutassem mais, que ela estava chegando ao fim da sua carreira e que o futuro do futebol feminino depende delas. Esse clipe viralizou e foi bastante comentado nas redes sociais, porque fala de algo muito importante: os problemas enfrentados pelas mulheres que querem jogar futebol. Existem milhares de meninas no Brasil que querem ser a próxima Marta e muitas enfrentam os mesmos obstáculos que ela encontrou quando começou a jogar profissionalmente há 20 anos. No episódio de hoje, vamos seguir uma dessas jogadoras. Irene Caselli e Cláudia Jardim são as repórteres que nos trazem história. Desde o estado de São Paulo, esta é Cláudia. À primeira vista, o quarto de Laura Pigatin se parece com o de muitas meninas de 16 anos no Brasil. Em sua cama, um ursinho de pelúcia com um coração vermelho no peito. Nas paredes cor-de-rosa está um cartaz de Cristiano Ronaldo. Em um canto está a escrivaninha, muito organizada e em cima da escrivaninha… Aqui tenho as minhas medalhas, em uma prateleira muito cuidada … têm várias que são especiais para mim, mas têm algumas que são muito especiais… Essa é a Laura e ela está nos mostrando as dezenas de medalhas e troféus que ganhou em torneios locais de futebol. Ela diz que são muito especiais para ela. Laura mora com a família em São Carlos, uma cidade de mais de 250.000 habitantes, a três horas de São Paulo. São Carlos fica a meio caminho entre o campo e a cidade e gira em torno da Universidade Federal que fica lá. Há muitos estudantes, eles vêm de todo o Brasil e de outras partes do mundo. A vida social é limitada aos shopping-centers e, apesar de ser uma cidade cheia de jovens, existe a sensação de que nada acontece lá. Moramos numa cidade pacata. Essa é Andrea, a mãe de Laura. Na qual não tem, não tem muita diversão, não tem muita coisa para se fazer, nos finais de semana a gente se encontra com os amigos. Nos reunimos, ora… Descreve São Carlos como uma cidade tranquila, onde não há muitas opções de entretenimento além de se juntar com os amigos E atrás do futebol da Laura, né? que é uma grande… Exceto pelo futebol. O futebol que Laura joga é uma grande diversão para toda a família, diz Andrea. Além disso, o futebol é a desculpa para reunir famílias, amigos. Todos se reúnem nas casas de conhecidos para assistir algum jogo na telinha ou vão em grupo para assistir as equipes locais jogarem. Para os Pigatin, essa é a grande rotina familiar. Lauro, o pai, sempre gostou de futebol e Laura cresceu assistindo jogos na telinha com ele e com o seu irmão mais velho. Quando criancinha, Laura passou algumas horas na casa de seus avôs maternos e ali também foi cercada pelo futebol. Seu avô a presentava com camisetas, bonés e tudo o que tinha o símbolo do São Paulo, seu time favorito. Então Laura disse que ela era da torcida do time do seu avô até que… Daí, estava jogando acho que Santos e o São Paulo e o Santos goleou o São Paulo. Era época do Neymar, do Robinho, do Ganso… Laura se lembra do dia em que Santos, a equipe do seu pai e de seu irmão meteu uma goleada ao São Paulo, a equipe do seu avô e sua equipe até esse momento. Contra-ataque do Santos. Robinho! De letra! Havia estrelas como Neymar e Robinho no gramado. E não foi fácil aceitar sua primeira decepção no futebol. Eu estava assistindo o jogo, sentada no sofá, e o Santos começou, ganhou o jogo e eu fiquei brava, né, triste, e acho que até chorei me lembro… Laura lembra que estava assistindo o jogo no sofá e que ficou com muita raiva porque o Santos derrotou seu time. Ela chorou, desapontada, e jogou fora as roupas do São Paulo que o avô lhe dera. O Santos se tornou sua nova paixão. Daí meu pai comprou roupa do Santos pra mim e eu virei santista, sou santista até hoje. Seu pai correu para comprar uma camisa do seu novo time favorito, algo indispensável para se tornar um verdadeiro torcedor de um clube. Desde então, Laura é torcedora do Santos, o time do Pelé. A verdadeira iniciação ao futebol surgiu quando Laura tinha cinco anos. Um dia, seu pai a foi buscar na pré-escola e a professora disse que Laura era a única garota em sua sala de aula que havia escolhido aulas de futebol em vez de balé. Era futebol para os meninos e ballet para as meninas, só que eu não queria fazer ballet, eu sempre quis fazer futebol, né, sempre gostei de futebol. O “normal”, entre aspas, era futebol para meninos e balé para meninas. A gente achou estranho e riu né? A gente acabou rindo, a gente achou engraçado, não estranho, a gente achou engraçado. E vamos ver o que qué vai dar isso. Este é Lauro, o pai dela. Ele diz que achou a decisão engraçada, mas não ficou surpreso. De certo modo, Laura sempre fora assim. Ela pediu para receber brinquedos associados, geralmente, com o que os meninos gostam, como fantasias do super-homem ou tratores de brinquedo. E a família a agradava ela com os presentes que ela pedia. Andrea diz que nunca foi uma daquelas mães que pensam que as meninas só devem brincar com bonecas, embora também tenha algumas. Às vezes eu penso na Laura, que ela não tem boneca, mas aí eu lembro que também nunca tive boneca, né? E meu negócio era brincar na rua, jogar bola, qualquer tipo de esporte. Quando ela pensa que Laura não tem muitas bonecas, Andrea diz que ela também não as teve, e lembra que quando era pequena ficava brincando na rua, ao futebol e praticando todo tipo de esporte. E eles não se importaram. Na verdade, parecia-lhes bom que ela jogasse futebol. E Andrea… Apoiei desde o começo. Ela a apoiou desde o começo Eu achei normal ela ir, era muito bonitinha ela montava na van, toda vestidinha lá de futebol no meio dos meninos. A decisão de Laura parecia-lhe normal e achava engraçado —bonitinho — vê-la entrar, com o uniforme de futebol, na van que a levava e aos colegas de classe aos treinos. Era 2009, quando Laura começou a ter aulas de futebol na escola e, como esse não era o jogo favorito das meninas de sua idade, Laura foi se acostumando a ter meninos como companheiros de brincadeira. Me sentia supertranquila, sim, me divertia, meus melhores amigos sempre foram os meninos mesmo. E ela gostava que seus melhores amigos fossem meninos. Ela sempre foi fascinada por tudo o que tem a ver com futebol. Ela brincava de bola muito no quintal de sua casa, depois da escola Brincava de futebol aqui no gramado aqui de casa. Então, acho que eu sempre fui ganhando essa a paixão já pelo futebol, desde pequena mesma. A gente brincava de bonequinhos, sabe, de futebol, jogava videogame de futebol. Ela gostava de simular jogos de futebol com bonequinhos plásticos ou jogar videogames, de futebol, é claro. Quando Laura tinha sete anos, em 2011, depois de ter as primeiras aulas na escola, um amigo da família começou a organizar partidas futsal — ou seja, de futebol de salão — que são disputadas com cinco jogadores por equipe, em ginásios, em uma quadra menor, com um estilo de jogo mais rápido. Laura fazia parte desse time e ainda era a única garota. E por ser a exceção, chamou a atenção do público. A maioria era pais de outras crianças, mas também vinham vizinhos de outras cidades do estado de São Paulo onde se organizavam jogos amistosos. E todo mundo achava legal, né, as pessoas da cidade, ah o time lá da menina, e o time ficou conhecido como o time da menina. Tudo mundo ia assistir porque eu era uma atração mesmo. Laura conta que o time ficou conhecido como “time da menina” e que de repente ela se tornou uma atração nas cidades por onde passava. Mas Laura queria jogar futebol, o regular, na grama, na quadra grande. Mas não foi tão fácil. Eu jogo numa equipe masculina porque não tem equipe feminina na minha cidade, para a minha idade. E por isso é que eu tenho que jogar com os meninos. Na cidade dela, diz, não há times de futebol feminino para meninas da sua idade. Mas, eu sempre quis jogar assim num time feminino, jogar com as meninas, porque eu acho mais legal. Não que eu não gostava (sic) de jogar com os meninos, gostava, mas é legal jogar assim com alguém, com alguma menina, né. Ela sempre quis jogar em um time feminino, com as meninas, porque achava mais legal. Não que ela não gostasse de jogar com os meninos, ela gostava, mas ela adoraria jogar com outras garotas. No Brasil, geralmente não há torneios para meninas menores de 14 anos. A menos que morem em São Paulo ou no Rio de Janeiro, grandes cidades que oferecem mais opções, as meninas não têm onde jogar. Então, Laura tinha apenas a opção de jogar futsal com outros meninos. Quando ela tinha 10 anos, um treinador foi a uma partida amistosa de futsal em que Laura estava jogando. E aí eu vi que tinha uma menina jogando no meio dos meninos. Ele é Rogério Pereira, treinador da ADESM, uma associação esportiva do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo. Procurei saber quem era a mãe dela e eu convidei ela para vir… Rogério conta que viu a menina jogando entre os meninos e foi conversar com Andrea, para convidar Laura para praticar com seu time.Aí eu tava sentada na arquibancada veio aquele moço de chapéu, de boné lá falar comigo, assim, eu até assustei no começo, nossa, mas que é que esse moço quer comigo né? Andrea lembra que estava sentada na arquibancada quando Rogério, que usava boné, se aproximou. Que um estranho se aproximasse dela lhe pareceu esquisito.Aí ele, e você que é a mãe dela? Você é a mãe da garota? Ela joga futebol de campo? Perguntou Rogério.Eu falei não, ela está jogando só quadra agora. Naquela época, Laura estava apenas jogando futsal.Leva ela lá pra treinar lá comigo, eu treino lá no sindicato? Rogério propôs levá-la para treinar com sua equipe Daí minha mãe achou, assim, meio estranho aquele cara me chamando, tudo. Laura diz que sua mãe achou esse convite estranho, mas pediu ao irmão mais velho que a levasse para uma sessão de treinamento. Eu fui lá. Fui lá treinar no meu primeiro dia de treino lá com os meninos… Foi a primeira vez que Laura jogou com um time de futebol regular. Ficou empolgada, mas no começo não foi fácil. Quando cheguei lá todo mundo ficou olhando, né, assim, né, achando meio estranho no começo, ficando meio duvidando, assim. Laura lembra que no primeiro dia as outras crianças ficaram a olhado, surpresas. Foi a primeira vez que uma garota treinou com a equipe e eles não sabiam se ela era realmente capaz de jogar. Mas dentro do campo eles viram que eu sabia jogar sim e acharam super-legal, né. Sempre me apoiaram, nunca houve nenhum tipo de preconceito por parte deles não. Mas assim que a viram em ação, as coisas mudaram. Seus colegas rapidamente a aceitaram — sem preconceitos — porque perceberam que ela sim sabia jogar. A família de Laura viu a oportunidade de se juntar à ADESM, o time de futebol infantil, como uma bênção que lhe permitiria participar de competições oficiais organizadas pelo Estado. Não havia competições para meninas, então eles não se importavam que o time fosse de meninos. Então foi tudo de bom para a gente a ADESM. “A ADESM foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para nós”, diz Lauro, o pai. Para Rogério, incluir Laura em sua equipe significou muito Até pelos meninos entenderem a importância de ter uma… a menina no projeto, ter a menina jogando futebol com eles e até para quebrar alguns paradigmas, né. [ Porque ter uma garota no time, ele diz, fez os outros garotos entenderem como era jogar com uma menina, para quebrar alguns esquemas. Mas, para Laura se juntar à equipe, eles tiveram que resolver alguns problemas práticos. Eles podem parecer detalhes tolos, mas ao jogar são muito importantes. Por exemplo: mudar de roupa antes do jogo apresentava novas situações, tanto para Laura quanto para seus companheiros. Ela entrava no vestiário primeiro e, depois que Laura terminava de se trocar, os outros meninos entravam. Em uma ocasião, Laura já havia entrado no vestiário quando Andrea se aproximou da porta. Havia alguns colegas de equipe vigiando. Eles não a reconheceram como mãe e gritaram… Não tia não entra, não, a Laurinha tá aí, ela tá tomando banho. Que não entre porque Laurinha estava tomando banho. … que nem a mãe podia entrar. Nem a mãe conseguia entrar porque seus colegas se tornaram muito rigorosos com essa regra. E quando não havia vestiários, Laura improvisava com a ajuda de Andrea. Eu já tive muitas várias vezes que me trocar dentro do carro, já teve um dia que tive que trocar atrás de uma árvore, minha mãe me ajudou. Várias vezes ela teve que se trocar de roupa no carro e até uma vez atrás de uma árvore. É realmente impressionante, porque Laura se transforma quando sai do vestiário e entra no campo. Irene — a co-repórter desta história — e eu passamos muito tempo com ela, com sua família, e ela geralmente é uma garota tímida, é muito evidente. Quando fomos vê-la na escola, Laura estava sentada na primeira fila, quieta, encurvada, de óculos. Mas quando a acompanhamos ao gramado pela primeira vez, vimos uma transformação. Vestida com o uniforme de futebol e o cabelo preso em um rabo de cavalo, Laura fica mais reta e firme. Reflete uma confiança que não é evidente fora da quadra. É como sua verdadeira personalidade só aparecesse aí — e aparece com força. Lá eu fico mais à vontade, eu quero ganhar, né, sou muito competitiva, sempre quero ganhar, então dou meu máximo. Ela diz que se sente mais à vontade no gramado, que é muito competitiva, que se esforça ao máximo para vencer. E que as pessoas começaram a notar quando seu time viajou para outras cidades, aqueles que assistiram aos jogos começaram a se surpreender com o quão bem ela jogava. Era impressionante que a única garota de um time de garotos fosse a melhor jogadora no gramado. Muitas pessoas se aproximaram dela depois dos jogos… Sim, várias pessoas comentavam, até nas outras cidades, e pediam até para tirar foto comigo, falavam que queriam autógrafos… … para pedir um autógrafo e tirar fotos com ela. Quando perguntei a Laura se ela tinha algum ritual antes de cada jogo, ela me respondeu com o lema de sua equipe. Um, dois, três, oooooooô, Ferrinha! Ferrinha! Como apelidam a Ferroviária, o time em que ela joga desde 2018. No quarto de Laura soava assim, mas, no jogo real, soa mais ou menos assim: Um dia, Andrea estava na praia com Laura e sua filha estava brincando na areia com a bola e, como ela era tão boa, as outras pessoas que estavam na praia começaram a notar. A mãe estava olhando para Laura de um quiosque na praia e ouviu dois homens conversando ao lado dela. “Olha aquela menina como joga bola”, porque ela era uma atração quando a gente ia pra praia, o povo parava e ficava olhando, né. “Olha como aquela garota joga”, disse um deles. Pouco depois, seu colega respondeu: É, pena que daqui a pouco ela vira homem. Que pena que em pouco tempo “vai virar homem”, que vai se converter em homem. Não é um comentário incomum. E não é só no Brasil. Comentários semelhantes são ouvidos em toda a América Latina, e no mundo é claro. Existe uma percepção bastante difundida de que o futebol é masculino demais para as mulheres. Geralmente com a insinuação de que as meninas que jogam se tornarão inevitavelmente lésbicas. Nem todo mundo, é claro. Mas Andrea ficou chocada com esse comentário. De onde ele tirou isso, ela é uma criança ainda jogando bola. E se ela quiser ser homem, se ela quiser ser lésbica é a vida dela. Ela diz que lhe parecia um absurdo, que ela não sabia de onde aquele homem tirou essas ideias. Era uma garota brincando com a bola. Além disso, não era da conta dele, era a vida de Laura. Para Laura também é claro. Eu acho que não tem nada a ver, para mim, na minha opinião não tem nada a ver, cada uma escolhe o que vem de você mesma. Cada uma escolhe o que quer ser, né? Diz que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Que todos devem ser livres para decidir o que querem ser. Embora os pais de Laura pensassem que comentários assim eram absurdos, os preconceitos contra a filha começaram a se tornar uma preocupação, mesmo durante os jogos. Um dia, Laura estava jogando com os meninos em um campeonato. Sua equipe estava ganhando o jogo e Laura estava particularmente inspirada. Uma mãe, né, acho que eu driblei o filho dela, sei lá, ela começou a falar nossa, lugar de menina é brincando de boneca, o que você está fazendo aí? Laura diz que, em uma jogada, ela driblou uma criança e ouviu que das arquibancadas uma mãe que gritou: “O que você está fazendo aí? O lugar de uma garota é brincando com bonecas”. Andrea estava na arquibancada, assistindo a filha jogar e teve que respirar fundo para se conter. E a Laura não se intimidou, pelo contrário, continuou jogando com ainda mais determinação. Mas a tensão aumentou quando ela fez uma jogada espetacular para evitar esse mesmo garoto. Laura avançou até meta. Com essa jogada, o garoto perdeu o equilíbrio e caiu no chão. A mãe do menino não aguentou e começou a gritar mais alto: Dá um soco na cara dessa menina. Dá um soco na cara dessa menina. Andrea não podia acreditar Onde já se viu uma mulher falar para um menino bater numa menina (…) que se ela estava louca, a gente não incentiva a agressão no esporte, não é isso. Onde já se viu uma mulher dizendo ao filho para bater em uma garota. Andrea diz que aquela mulher era louca. Você não pode incentivar a agressão no esporte. Não é assim. E foi por isso que ela decidiu encará-la Falei pra ela que ela sim tinha que ter ficado dentro da casa dela lavando roupa, cozinhando porque esporte não era aquilo. E ela lhe disse que era melhor ela ficar em casa lavando roupas e cozinhando, se ia apoiar o filho com essa atitude. O que aconteceu com a Laura não é um incidente isolado. O futebol feminino no Brasil é o espelho de um problema muito maior: o machismo. Tradicionalmente, os gramados têm sido espaços reservados aos homens. Tanto é assim que, no passado, houve mulheres presas apenas por jogar futebol na rua. Após o intervalo, a proibição no Brasil que manteve as mulheres fora do gramado e o que aconteceu com a Laura. Já voltamos. Bem-vindos de volta à Rádio Ambulante. Eu sou Daniel Alarcón. Antes do intervalo, a co-repórter desta história, Cláudia Jardim, contava a história de Laura Pigatin, uma garota que sonha em ser a próxima estrela do futebol brasileiro, apesar dos preconceitos enfrentados por meninas e mulheres jogadoras de futebol. Preconceitos que têm raízes claras, que vêm, em parte, das leis que o país possuía. Irene Caselli, a co-repórter, dessa história, continua nos contando. Como em outras partes do mundo, o futebol feminino foi proibido por um longo tempo no Brasil: quase 40 anos. Um decreto de 1941 estabeleceu que: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. Isso, é claro, incluía o futebol. A lista de proibições incluía levantamento de peso, beisebol e artes marciais. Durante esse período de governos autoritários no Brasil, considerou-se que as mulheres deveriam permanecer na esfera privada, ser protegidas e controladas, ou seja, em casa, onde poderiam ser boas esposas e mães. Havia até argumentos supostamente médicos. Foi recomendado que as mulheres não jogassem porque estavam expostas a golpes no útero ou nas mamas, o que poderia comprometer tanto a fertilidade como a lactação. Um artigo de jornal publicado em um dos maiores jornais do Brasil em 1961 dizia o seguinte: “As mulheres têm ossos mais frágeis; menor massa muscular; bacia oblíqua; tronco mais longo e por isso menos resistente; centro de gravidade mais baixo, coração menor; menos número de glóbulos vermelhos; respiração menos apropriada a esportes pesados; menor resistência nervosa e de adaptação orgânica”. Para Andrea, a proibição é a raiz dos preconceitos e dificuldades que ainda enfrentam as mulheres que realmente querem jogar. Às vezes eu acho que os próprios pais não deixam as meninas jogarem por terem esse preconceito. Ela acredita que muitos pais não permitem suas filhas jogar por causa desse preconceito construído décadas atrás. Essa visão autoritária dos direitos civis das mulheres prevaleceu durante os 21 anos de ditadura militar no país, entre 1964 e 1985. Onde havia chance de jogar, jogávamos. Na rua, nos campos vazios. Mas como era proibido jogar, a polícia estava sempre lá para nos pegar. Ela é Léa Campos, a primeira mulher convidada a ser árbitra em um jogo da FIFA em 1971. Minha colega Cláudia Jardim ligou para ela para descobrir como que as mulheres que queriam jogar naquela época faziam. Léa disse que se reunia com um grupo de garotas, jogavam clandestinamente e durante esses jogos… Eu sabia que a polícia estava chegando porque ouvia a sirene do carro da polícia militar. E quando ouvia a sirene, mandava as outras meninas correrem e a polícia prendia Léa. Fui presa 15 vezes. E toda vez que dizia a mesma coisa: “Podem me prender um milhão de vezes, e eu vou continuar fazendo o mesmo”. E foi durante essas prisões que Léa percebeu um tecnicismo muito importante. A proibição era clara, as mulheres não podiam jogar futebol. Mas não falava absolutamente nada sobre arbitragem. E foi isso que me interessava. Eu queria ser o mestre da orquestra. Eu não estava interessada em ser músico de orquestra. E ela conseguiu. Léa Campos foi apontada como árbitra no início dos anos 70. Um acidente de ônibus que a deixou em uma cadeira de rodas terminou sua carreira em 1974. E sua luta ficou um pouco isolada. A proibição finalmente terminou em 1979, quando a lei de anistia foi assinada pelo governo militar. Vamos colocar essa proibição em contexto. Enquanto o futebol masculino brasileiro conquistou três copas do mundo — em 58, 62 e 70 — e os jogadores brasileiros se tornaram estrelas em todo o mundo, mais da metade da população estava proibida de praticar o esporte nacional. Embora a proibição tenha sido oficialmente encerrada há 40 anos, os obstáculos continuaram. Marta Maravilha! Agora, agora, agora, agora, agora, agora, agora, gooool! Marta, um fenômeno mundial! Um fenômeno mundial! Hoje em dia Marta Viera da Silva é a jogadora de futebol mais popular do Brasil e está entre as mais conhecidas do mundo. Mas muito antes de se tornar um fenômeno mundial, Marta era simplesmente uma garota com talento excepcional, como Laura Pigatin. Em 1999, quando tinha 13 anos, Marta jogava em um time na cidade de Dois Riachos, no Nordeste do Brasil. Como Laura, Marta era a única garota que jogava em um time de meninos porque não havia time feminino. Além de talento, ele teve a força de ignorar os comentários preconceituosos de que ele era um “sapatão”, que o futebol não era coisa de menina. As pessoas falavam mal, chegavam para minha mãe e para meus irmãos e davam conselhos: “ah, não deixe ela no meio de um monte de meninos”. Marta diz que as pessoas falaram mal dela e que disseram à mãe que ela não podia deixá-la com um grupo de meninos que a desrespeitariam. Marta nos disse que, quando jogou em seu primeiro campeonato, foi a jogadora que marcou mais gols e era essencial para seu time. Marta também lembra que seu talento incomodava aos adversários. Tanto que o dono de uma equipe adversária ameaçou se retirar do torneio local se Marta continuasse jogando. Eu fiquei super-frustrada naquele momento Ela se sentiu muito frustrada e teve que sair do campeonato. Não achava uma resposta do porquê disso tudo, né? Será que é tão complicado aceitar que um ser humano nasceu com talento, e sabe jogar e quer fazer isso e é isso que te faz feliz? E eu não conseguia entender por que era tão complicado aceitar que um ser humano que nasceu com talento não podia jogar e ser feliz. Mas ela persistiu: seu objetivo era jogar em um time importante. Vasco da Gama, um dos grandes clubes do Rio de Janeiro, estava testando para descobrir novas jogadoras. Era o ano de 2000, quando Marta disse à mãe que queria ir ao Rio de Janeiro. Falei com a minha mãe e ela falou: “Ela não vai”. Tipo assim, ela não levou muito a sério… Marta disse que sua mãe respondeu: «Você não vai». Não levou Marta muito a sério. Mas Marta decidiu ir de qualquer maneira. Ela pediu emprestado dinheiro de amigos e vizinhos mais próximos para comprar a passagem de ônibus. Apenas tinha para comer ao longo do caminho. E estamos falando de uma viagem de três dias do Nordeste ao Sudeste do Brasil. E aí tinha uns pontos estratégicos para parar e tal: tomar café, fazer um lanche… Marta disse que, enquanto o ônibus parava para as pessoas tomarem café ou fazerem um lanche, ela tinha que cuidar de cada centavo. Ela aguentava a fome, sabendo que o pouco dinheiro que ela trouxera tinha que durar. Marta fez o teste e ficou no Vasco da Gama. Dois anos depois, ela se mudou para Belo Horizonte e jogou em um time local. Ela estava determinada. Ela queria fazer do futebol sua vida, mas as possibilidades no Brasil eram muito precárias. Ainda são. A maior desigualdade no futebol profissional feminino é a parte financeira. Internacionalmente, um estudo recente do Sporting Intelligence — um site dedicado a notícias esportivas — mostra a enorme diferença entre os salários dos homens e das mulheres. Segundo o estudo, o contrato que Neymar assinou em 2017 por mais de 30 milhões de euros por ano é equivalente ao salário anual de 1.693 mulheres nas principais ligas de futebol feminino do mundo. E essa desigualdade se torna ainda mais profunda no Brasil, onde os clubes femininos não têm o mesmo nível de apoio econômico que em outras partes do mundo. Foi exatamente por isso que Marta tentou a sorte no exterior. Em 2004, ela recebeu uma ligação da Europa. Era um convite para jogar no clube Umea IK, na Suécia. Eu realmente acredito que eu vim para esse mundo para jogar futebol. Ela diz: “Eu realmente acho que vim a este mundo para jogar futebol”. Ela joga profissionalmente entre Brasil, Europa e Estados Unidos há 19 anos. Apesar do sucesso de Marta, os preconceitos que ela enfrentou ainda estão vivos. Voltemos à história de Laura Pigatin. Em 2015, quando Laura tinha 11 anos, sua equipe, ADESM, venceu o campeonato municipal e passou para a próxima fase: o campeonato regional. Mas nessa fase, os organizadores do torneio proibiram Laura de participar. Ela falou que o campeonato era só masculino e que as meninas não podiam jogar e que se eu jogasse ela ia desclassificar o time, e nesse ano eu fiquei de fora. Porque o regulamento dizia que o torneio era apenas masculino e que as meninas não podiam jogar. E se Laura insistisse, sua equipe seria desqualificada. O mais estranho é que, na primeira fase do campeonato, ninguém se opôs. Joguei de boa, todos os técnicos dos outros times aceitaram. Mas, ao chegar à final, a diretora da Secretaria do Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, responsável pelo campeonato, proibiu Laura de jogar. Rogério, o treinador, comprou a briga. Ele tentou argumentar com a diretora… Na verdade é um regulamento machista né, que foi criado… … para fazê-la ver que o regulamento era machista e que ainda respondia aos tempos em que as meninas não jogavam futebol. Mas as coisas estão evoluindo, diz Rogério, e eles, os encarregados, não evoluíram, eles pararam no tempo. O pai de Laura também falou com a diretora Ela seguiu o regulamento, mas faltou bom senso por parte dela de entender que era uma condição excepcional. Embora a diretora estivesse seguindo as regras, para Lauro, ela não teve bom senso e não entendeu que era um caso especial. A diretora poderia ter mudado essa regra para deixar as meninas jogarem. Mas nem Rogério nem ele conseguiram convencê-la. Me senti realmente um Zé Ninguém, um idiota, me senti assim o pior dos homens. Essa rejeição, diz Lauro, fez com que ele se sentisse um idiota, como o pior dos homens. E, no final, Laura não pôde acompanhar sua equipe. Andrea se lembra da tristeza de Laura ao ver seu time desde a arquibancada… Ela ficava na arquibancada assistindo o jogo com olho cheio de lágrima. … com os olhos cheios de lágrimas. A equipe perdeu o campeonato regional e Laura ficou pensando no que teria acontecido se a deixassem jogar. No ano seguinte, 2016, Laura novamente teve uma oportunidade. Sua equipe chegou ao mesmo campeonato e a mesma diretora novamente a proibiu de jogar. Para o pai de Laura, a frustração era grande demais Eu me senti um M, me senti um merda pra falar a verdade. Se sentiu um merda, diz, e desabafou no Facebook. A frustração de Lauro iniciou uma mobilização online para coletar assinaturas pedindo a inclusão de meninas em torneios masculinos. A petição de Laura para jogar começou a ser veiculado nas redes sociais “As meninas podem jogar” era o slogan. E para surpresa de todos, a resposta foi grande. A campanha começou a receber atenção em todo o país. Uma história que parou o Brasil. Muita gente não se conformou ao ver a desigualdade no mundo da bola. O caso da Laurinha gerou comoção nacional. Ela continuou jogando com os meninos. Apesar de sua timidez, Laura apareceu em vários programas de televisão e, em todos pediu o mesmo. E agora que ia jogar a fase mais importante do campeonato não ia poder jogar. Não seria justo, né. Pô, não seria justo. Só porque eu era menina, só. Que o regulamento seja alterado para que as meninas também possam jogar. Mais de 11 mil pessoas assinaram a petição que circulou na internet. A pressão do público foi tão grande que desta vez a diretora cedeu e deu a Laura permissão para jogar na fase regional do campeonato. Mas, para Lauro, foi uma vitória parcial. Para a gente a vitória seria se eles tivessem falado assim, nós vamos mexer no regulamento e todas as meninas que quiserem. Uma verdadeira vitória teria sido a modificação do regulamento para permitir que todas as meninas jogassem. Mas a participação de Laura naquele ano foi uma exceção. O regulamento ainda permanece o mesmo. Oficialmente, o campeonato continua a proibir as meninas de jogar em um time de meninos. Não era por minha causa que a gente estava brigando, era por todas as meninas, né? Laura explica que não foi uma batalha individual. A luta dela era que pelo menos os torneios masculinos admitissem equipes mistas. O decreto que tornou o futebol um esporte ilegal para as mulheres foi oficialmente abolido em 1979. Vinte anos depois, Marta foi proibida de jogar enquanto ainda era adolescente. O mesmo aconteceu com Laura há apenas três anos Então, o que precisa ser feito para que as meninas possam jogar? Em uma carta aberta que ela publicou em 2017 no The Player’s Tribune, Marta revisou sua própria carreira e, de alguma forma, respondeu a essa pergunta. Cláudia e eu visitamos Marta no camarim do Orlando Pride, sua equipe, em 2017. E quando conversamos com ela, Marta leu a carta para nós. Querida Marta de 14 anos de idade, Foi uma carta que ela endereçou a ela própria, á Marta de 14 anos, ou seja, quando ela pegou o ônibus que a levou de sua pequena cidade para o Rio de Janeiro. Entre no ônibus. Eu sei o que você está pensando. Eu sei o que você está sentido. Não pense nisso. Na carta, Marta diz à garota que foi que entre no ônibus, que ela sabe o que Marta de 14 anos está pensando, o que está sentindo e pede que ela ignore isso. E logo após começar a ler, ela se detém. É difícil ler essa carta porque… é difícil porque todas as vezes que eu li ela, me emociono, porque parece que foi muito mais difícil do que foi naquela época. E ela explica que é difícil ler a carta de novo, porque lembra que seu caminho era muito mais difícil do que parecia naquela época. Depois de um momento, ela continua: No quanto todo mundo disse que você não podia fazer isso, que você não deveria fazer isso. E se lembra de que muitas pessoas disseram a ela que não conseguiria. Que nem deveria estar tentando. Este ônibus te levará para realizar o seu sonho, o sonho de se tornar uma jogadora de futebol profissional. É por isso que ela pede á Marta de 14 anos para não desistir. Embora ela a tenha escrito para si mesma, a carta de Marta também é endereçada a Laura e a todas as meninas que querem jogar futebol. É uma maneira de pedir que elas não desistam, apesar de todos os obstáculos que permanecem no caminho. Laura agora tem 16 anos e joga em um time de garotas da idade dela. É uma equipe do interior de São Paulo: o Ferroviária de Araraquara, uma das poucas que leva a sério o futebol feminino. Para treinar com elas, Laura precisa viajar duas horas, três vezes por semana. Apesar de ser uma das mais jovens do grupo, Laura passou a fazer parte do grupo de jogadoras titulares do Ferroviária e participou do primeiro Campeonato Brasileiro Sub-18 Feminino, torneio lançado apenas em 2019 pela Confederação Brasileira de Futebol. A FIFA também implementou novas iniciativas para criar mais equipes femininas profissionais, mesmo no Brasil, para que meninas como Laura tenham onde jogar quando adultas. Irene Caselli e Cláudia Jardim são repórteres. Irene é repórter do The Correspondent e vive entre Itália e Argentina, Cláudia vive em Bangkok. Mariangela Maturi também contribuiu para esta reportagem, que faz parte do A Girls’ Game, Um jogo de meninas, um projeto jornalístico realizado com o apoio do European Journalism Centre. A Girls’ Game foi lançado em vários idiomas, inclusive em espanhol e também em diferentes formatos, com um documentário de quase meia hora. Para mais informações, você pode visitar www.agirlsgame.net. Agradecemos a ajuda do Orlando Pride, Aguinaldo Suarez, Fabiano Farah, a família Pigatin, Dibradoras e Sandovaldo Euclides. Esta história foi editada por Luis Trelles, Camila Segura e eu. O mix e o design do som são de Andrés Azpiri e Rémy Lozano. Andrea López Cruzado fez a verificação dos fatos. Muito obrigado a Sabrina Duque por sua ajuda e pela revisão e tradução dos áudios em português. O restante da equipe da Radio Ambulante inclui Lisette Arévalo, Gabriela Brenes, Jorge Caraballo, Victoria Estrada, Miranda Mazariegos, Patrick Moseley, Laura Rojas Aponte, Barbara Sawhill, Barbara Sawhill, David Trujillo, Elsa Liliana Ulloa e Luis Fernando Vargas. Carolina Guerrero é a CEO. Radio Ambulante é um podcast da Radio Ambulante Estudios e é produzido e mixado no programa Hindenburg PRO. A Radio Ambulante conta as histórias da América Latina. Eu sou Daniel Alarcón. Obrigado por nos ouvir.

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